Devia ela ver-se, reflectida nos lagos dos olhares alheios, nos lagos dos negros olhos do caçador. Caçador furtivo, sub-reptício, silencioso avaliador - devia agora vê-la: recolhida sobre si, fechada na sua carapaça, puxando os retalhos da armadura por ele fendida, buscando uma forma de se reconstruir, de suturar o rasgão profundo e sangrento que o golpe por ele desferido deixou no âmago do seu ser, no centro da sua confiança.
Perdida, certo? Fora de tudo, esquecida do mundo e pelo mundo, certo? Sucesso, caçador, obtivestes. Parcial, pelo menos. Perdida está a fera, selvagem já não tanto. Perdida, mas já não tanto talvez. Encarando-se, desarmada, com a insignificância do seu ser e as falhas profundas do seu estar e viver, eis a fera ferida - perdida em reflexão, perdida na sua desconstrução, perdida e escondida a tratar suas feridas.
Deviam vê-la, a apanhar os pedaços de si que a chumbada do caçador arrancou, pronta a reerguer-se renovada e cintilante. Deviam vê-la, perdida em si, perdida de rumo, buscando formas de se reconstruir, renovando-se e sendo melhor. Devia vê-la o caçador, que pouca ideia faz dos danos que causou. Devia vê-la bem, no seu habitat, para ver que há mais na fera que as suas limitações, do que o alvo que atingiu.
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