sexta-feira, 7 de fevereiro de 2014

Crónica de um disparo VI

      Devia vê-lo, ela, sem os pudores habituais da fera que estranha o caçador de tiro certeiro. Devia vê-lo, a fera ferida, de olhos bem abertos e desprovida de preconceitos, ignorando a dor por ele causada e focando-se no despertar que lhe trouxe o seu disparo.

      Devias ver o caçador, criança selvagem e perdida. Devias vê-lo atentamente, com cuidado e zelo, com atenção e analiticamente. Fera és, mas não desprovida de intelecto, correcto? Observa, fera, com intenção e atenção, silenciosamente - enquanto ele te observa e ataca. Lê entre as linhas, interpreta o gesto, respira no seu olhar.

      Deviam vê-lo, o caçador. Jogando o seu isco, frio e distante, altivo e sabedor. O caçador certeiro, de mira bem afinada, rápido no cálculo do disparo. Enquanto prepara o seu tiro, observai-o bem - muito se pode ver na forma como a mão envolve a culatra, como o dedo se molda ao gatilho e a força suave ao premi-lo; muito se pode deduzir da rotação do ombro, da contracção do bicípide, da constante pressão muda que levará ao disparo eventual.

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